terça-feira, dezembro 14, 2004

CASA DO RICARDO - CASA DO MARIO

Esta época que estamos a atravessar, a do Tróia-Sagres, trás-me à memória uma travessia que efectuei na véspera do dia de Natal do ano 2001 (Odisseia na "Planície"), e que ligou a minha casa (Sta. Iría de Azóia) á casa do meu primo Mário (em Beja), onde se iria realizar a ceia de Natal nesse ano.

Perguntei a várias pessoas na altura se me queriam acompanhar, mas todos arranjaram a mesma desculpa esfarrapada de que também tinham família e que por acaso não morava em Beja... Desculpas!

Sendo assim e depois de ter amadurecido esta ideia durante mais de 36 horas na minha cabeça, decidi o caminho que haveria de tomar.

Casa - V. Franca de Xira - Vendas Novas - Montemor-o-novo - Ferreira do Alentejo - Beja

Este percurso foi feito com a minha fiel montada "Marin Bear Valley da colheita de 1997" e com uns fabulosos pneus IRC (Internacional Racing Cardado) 26x1.95

Já agora, e para os milhões de portugueses que vivem em Santa Iría de Azóia e têm família em Beja, deixo aqui uma descrição do que vão encontrar caso queiram ir de bicicleta para casa dos primos:

Casa - V. Franca de Xira = 15 km

Partida por volta das 6:40 da manhã, ainda completamente escuro, mas como o dia estava quase a nascer e eu tinha previsto chegar por volta das 3 da tarde, não valia a pena ter o trabalho de montar a luz e o carregar peso extra durante todo o percurso.

Este troço é feito a uma média de 20 km/h para aquecer o coração, uma vez que estavam cerca de 4/5 graus acima de zero.

Chegado a V. franca, jogo-me para a margem sul do Tejo através da ponte da cidade.

V. Franca de Xira - Vendas Novas = 60 km

Segui depois pela imensa recta que me levou ao Porto Alto. Nesta recta para terem ideia do frio que estava, fui constantemente bombardeado por gigantescas placas de gelo (do tamanho de para-brisas) que saltavam do topo dos atrelados dos camiões TIR. Bastava que uma delas me tivesse apanhado para não estar aqui a escrever com esta rapidez toda - assustador...

Aqui o forte vento contra também já se fazia sentir. Porto Alto, Santo Estevão, Taipada, Pegões e lá fui eu riscando todos estes pontos do meu caderninho, com a media nesta altura a subir para os 25 km/h. A estrada neste troço é boa e tem poucos carros a estas horas matinais, mas quando passam por nós é sempre a mais de 120, o que nos obriga a uma constante atenção ao que se aproxima por trás (o que aliás aplico ao resto dos dias do ano).

Passados 75 km desde o início, chego a Vendas Novas - a terra dos "Reis" das bifanas e das empadas - e paro para comer uma bela empada.

Quando me preparo para subir para a bicicleta e regressar à estrada... TAU!!!!
1ª cãimbra aos 75 km... isto não pode ser verdade... ainda me faltam... 140 km!!!

Alongamentos no chão, 10 minutos de respiração e siga para bingo...


Vendas Novas - Montemor-o-novo = 30 km

Sempre com vento forte de frente, fiz estes 30 km a penar uma vez que o vento obrigava-me a pedalar até nas descidas, e também porque este troço continha algumas zonas de sobe e desce que nestas condições já eram suficientes para fazer estragos.

Á entrada de Montemor, cortei á direita para Alcáçovas.


Montemor-o-novo - Ferreira do Alentejo = 80 km

Para terem outra ideia do vento que estava, quando virei á direita para Alcáçovas, entrei numa estrada antiga de empedrado, não estava bem com o vento pelas costas, mas estava de maneira suficiente para a direito ir a cerca de 50 km/h... foi pena é só ter durado uns minutos.

No total, nestes cerca de 80 km cruzei-me com cerca de 4 a 5 carros no máximo, isto a meio da tarde, e foi por ventura a estrada de alcatrão mais isolada em que pedalei até hoje.

A meio deste troço, em Alcáçovas, uma terra no meio de nenhures, parei num tasco repleto de homens de bigode onde estava a dar um jogo de futebol, e entrei para comer qualquer coisa e tentar recuperar o que pudesse ser recuperado deste monte de carne que vinha em cima da bike.

Digamos que para desmontar tive que cair para o lado, pois elevar a perna à altura do selim poderia ter consequências imprevisíveis. Entrei com aquele andar novo, todo em licra avermelhada e capacete azul bébé... "Queria um nectar light e uma sandes de queijo sem manteiga, se faz favor."... Nem preciso contar o resto pois não. Alcáçovas never more.

Numa estrada isolada e sem relevo arrastei-me até Ferreira do Alentejo já com o sol a acasalar com o horizonte. Faltavam os últimos 25 km. Não consigo!

Ferreira do Alentejo - Beja = 25 km

Terreno liso, ou quase, já com noite cerrada a partir de metade do troço, encostadinho á berma para não ser passado a ferro, e que foi um dos maiores desafios psicológicos que tive até hoje.

Cheguei ao fim dos 210 km com mais de 13 horas de sacrifício e estabeleci o meu record de distância.

Digamos que na ceia de natal, metade foi para mim e metade para os outros 30 elementos da minha família. Depois foi dormir no sofá, enquanto me atiravam prendas para cima...

R




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